Às vezes, vez por outra, é verdade, e menos vezes do que
deveria ter feito, eu te observava dormindo. Tenho pouco sono, é muito fogo correndo nas veias, preciso de pouco descanso, você bem sabe que caminho na madrugada.
Mas aí eu acordava e ficava te olhando, em mínimos detalhes
de cada polegada, que eu sempre conhecia e sempre desconhecia em carinhos. Como
homem, eu tentava farejar, sentir e adivinhar seus desejos, e me antecipar um
pouquinho. Às vezes conseguia, ás vezes não. Mas ali, desarmada, você é que me
desarma.
E se vira e eu te aconchego no meu peito, do lado esquerdo,
você ouvindo as batidas do meu coração e eu me perguntando o que aquilo causava
nos seus sonhos. Me acaricia os pelos no peito e só então eu noto que você
pintou as unhas. Ficou bom, vou lembrar de te dizer quando estiver acordada,
mas sempre esqueço.
Faço carinhos suaves no seu rosto, tem uma penugenzinha leve
na sua face, perto das orelhas, que só se sente na ponta dos dedos. Passo ao
carinho relaxante na sua sobrancelha, uma espécie de cafuné, que eu acho que só
eu faço, e tem aquela sua cicatriz ali, da infância, nunca soube exatamente que
peraltice causou aquilo. Pequenina, na sobrancelha esquerda, mas dá pra ver e
acho um charme.
Dormindo, cansa do metrônomo descompassado do meu coração,
se desvencilha e vira de costas. Ah, as pintas. Tem essa grandona no seu ombro
direito, logo depois da curvinha que marca a posterior no hemisfério do corpo.
É segredo, mas já contei suas pintas, uma por uma, brincando de jogo da
memória. Agora mesmo, posso fechar os olhos e me lembrar de cada uma, lugar e
tamanho. Já imaginei um War antes de te beijar: pegar a carta de “dominar seis
territórios com vinte beijos”. Prazeres meus.
E sua pele, macia, com um cheiro quente. É assim que se definem
cheiros, com os outros sentidos. Sabe que eu sempre pirei em te ver saindo do
banho? Era aquele ritual de toalha na cabeça, passar creme mo corpo (tinha um
com cheiro de torta de limão), se ajeita aqui e ali, veste a camisola, ou um
shortinho, ah, delícias de um strip tease ao contrário. Observava e imaginava
você crescendo e aprendendo a se cuidar, como foi isso?, sai pra lá que é
segredo, eu me encanto com esses mistérios femininos, que continuem mistérios.
Agora, nessa noite de lua alta e postes acesos, luz branca
entrando na janela, dá pra ver as marquinhas que o lençol amarrotado deixa na
sua pele. Leio como se lê adivinhações, como se lê um mapa. Esperança pra esse
marinheiro vagabundo em busca de tesouro. Tem noção da sua importância pra mim?
Ah, mas você dorme, e o mundo que se exploda, é justa tua parte no descanso. É isso, como posso dizer, você é Iemanjá nesse mar adentro da vida. Piegas demais,
mas sincero. Tenho sorte, grita algo em mim.
E há minha mania de te abraçar por trás, de conchinha, a
malandragem de um braço por baixo e outro por cima, as mãos nos seus seios,
pêlos das minhas pernas roçando nas suas, luxúria e aconchego, de safadezas
tenho um repertório. Abraço como se nunca fosse partir, corpos viciados e almas
em busca de um acerto.
Meus olhos marejam, “Que foi”, finjo que é alergia, te aperto
em mim e durmo.
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Creditos:
Texto e fotografia: Thiago Carvalho (todos os direitos reservados)
Publicado no blog O Inimigo do Bom é o Melhor
4 comentários:
Incrível esse texto!
Extemamente lindo.
um curta de pele, pensei numa leitura visual das partes relatadas.
Que lindo!
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