Dizem que anda a espreita perigoso delinqüente. Na verdade, a notícia é velha, nem mais estampa jornal, vez por outra uma revista Nova ou TPM, eu é que ando sempre na vanguarda do atraso. Mas sim, perigoso. Tarado, agressor, violador e mais: ataca em freguesias diversas, turno diurno ou noturno, com chuva ou sol.
Não, não há violência, propriamente dita, no ato. Muito pelo contrário. Chega de mansinho. Um bom papo. Sorriso, moreno e bonito. Compra vinho, sabe cozinhar, sussurra safadezas delicadas aos ouvidos ávidos das vítimas. Não demoradíssimos 171 de galhofeiros que se julgam sedutores, mas com o senso simples e prático de saber atiçar os instintos. Um fofo.
E, então, faz nova vítima, entre gemidos, cumplicidades e atentados contra a indevassável moral cotidiana. Parece lenda, mas a narrativa repetida, feita entre salivações e aquele sorrisinho nos silêncios das boas lembranças, das mulheres atacadas, traçam um perfil de serial killer.
O que chama a atenção desse cronista do amor e da guerra é a violência espiritual da parada. Violência, usando a metáfora da língua, que ele a usa de fato, de colocar um ponto final, ao contrário de uma vírgula ou, no máximo, um ponto e vírgula, como reza o bom tom da etiqueta. Ou a mesma violência de uma reticência, que não quer dizer nada e quer dizer tudo ao mesmo tempo, podicrê.
E aí se dá o crime: o cativeiro em frente ao celular, esperando uma chamada, uma mensagem, vá lá, depois de horas até mesmo um cretino “fala, princesa”. Atada à correntes de expectativas, filho da puta, nunca leu que é responsável por aquilo que cativas? Amordaçada com paranóias, querendo gritar, bandidômetro no talo, que está ele então a se esfregar em uma piriguete qualquer, enquanto ele, na verdade, provavelmente está apenas deitado em uma rede, depois da noite de prazer e do dia de trabalho, a olhar as estrelas e sentir a vida pulsar dentro de si, como deve ser.
Mas, e essa é a sorte dele, o ato não se enquadra em código penal de nossas épocas, foi-se o tempo em que comeu tem que casar, mesmo que com ponta de faca da parentela nas costas. Age, em seus pseudo-crimes, de forma bem tradicional, quase sempre após o café da manhã (servido na cama): “tenho que ir trabalhar”; “preciso arejar a casa”. “vou comprar cigarro”. E sai, com a consciência tranqüila e sincera, dando tragos em um king-size do abandono. Mas nunca no desamor, nunca chutando tampinhas de indiferença em bueiros de esquecimentos.
O pior é que às vezes ele volta, dias, semanas ou meses depois, com a inocência estampada no rosto e todos os assuntos deixados pra lá, devendo, assumindo e pronto pra pagar. Com dois cigarros no maço, álibi pra mesma desculpa no dia seguinte. E não vai adiantar estocar maços pra que ele não se vá, ele tem um isqueiro vazio no bolso para planos de emergência: sem fogo não dá.
Uma psicóloga, vítima dele, traçou o perfil dizendo que é um viciado em busca de punição, um dependente das fúrias do coração partido. Que é exatamente isso que ele espera: os vasos contra a parede, controle remoto no chão, almofadas no teto, celular pela janela, dedo na cara das acusações mútuas e todo o tesão renovado disso aí. E, então, ele vai se aproximando, mais cafajeste e calhorda como nunca, puxa-a pelos cabelos, o suficiente para levantar-lhe o queixo, beijá-la no pescoço, joga-la no sofá e dar um krav maga nos hormônios. Depois, suados, mordidos, arranhados e abraçados sobre o tapete, ele confirma que não vai ligar no dia seguinte. Ela suspira, contrafeita, mas satisfeita. Cachorro.
Eu acredito que ele é, na verdade, um colecionador. Sofisticado colecionador. Guarda em vitrines, dentro de si, espetadas com finos alfinetes, memórias de sorrisos variados e belos como asas de borboletas. Acumula frascos de perfumes e cheiros de todas as partes dos corpos das vítimas. Completa álbuns com selos de promessas não feitas e cumpridas. Especializa-se na taxidermia de sensações táteis e visuais de detalhes delicados que só ele percebeu.
Claro, estou sendo advogado do diabo. Poetizando o crime. Mas, platéia do júri, vejam que meu cliente não é, nem de longe, como querem fazer crer os autos e depoimentos, um insensível. Longe disso. Seu coração também se parte. Se vocês o cortarem, ó meritíssimo, ele também há de sangrar. Mas é que seu coração aprendeu a ser como o fígado de Prometeu: devorado de dia, se regenera à noite. Questão de sobrevivência, mas chamam por aí de perfil do cafajeste. Síndrome de Estocolmo não foi invenção dele, anote aí o escrivão.
Cuidado mulheres, estou de tocaia. Digo, ele.
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Creditos:
Texto e fotografia: Thiago Carvalho (todos os direitos reservados)
Publicado originalmente no site Solteiras e Descoladas
Publicado no blog O Inimigo do Bom é o Melhor
Não, não há violência, propriamente dita, no ato. Muito pelo contrário. Chega de mansinho. Um bom papo. Sorriso, moreno e bonito. Compra vinho, sabe cozinhar, sussurra safadezas delicadas aos ouvidos ávidos das vítimas. Não demoradíssimos 171 de galhofeiros que se julgam sedutores, mas com o senso simples e prático de saber atiçar os instintos. Um fofo.
E, então, faz nova vítima, entre gemidos, cumplicidades e atentados contra a indevassável moral cotidiana. Parece lenda, mas a narrativa repetida, feita entre salivações e aquele sorrisinho nos silêncios das boas lembranças, das mulheres atacadas, traçam um perfil de serial killer.
O que chama a atenção desse cronista do amor e da guerra é a violência espiritual da parada. Violência, usando a metáfora da língua, que ele a usa de fato, de colocar um ponto final, ao contrário de uma vírgula ou, no máximo, um ponto e vírgula, como reza o bom tom da etiqueta. Ou a mesma violência de uma reticência, que não quer dizer nada e quer dizer tudo ao mesmo tempo, podicrê.
E aí se dá o crime: o cativeiro em frente ao celular, esperando uma chamada, uma mensagem, vá lá, depois de horas até mesmo um cretino “fala, princesa”. Atada à correntes de expectativas, filho da puta, nunca leu que é responsável por aquilo que cativas? Amordaçada com paranóias, querendo gritar, bandidômetro no talo, que está ele então a se esfregar em uma piriguete qualquer, enquanto ele, na verdade, provavelmente está apenas deitado em uma rede, depois da noite de prazer e do dia de trabalho, a olhar as estrelas e sentir a vida pulsar dentro de si, como deve ser.
Mas, e essa é a sorte dele, o ato não se enquadra em código penal de nossas épocas, foi-se o tempo em que comeu tem que casar, mesmo que com ponta de faca da parentela nas costas. Age, em seus pseudo-crimes, de forma bem tradicional, quase sempre após o café da manhã (servido na cama): “tenho que ir trabalhar”; “preciso arejar a casa”. “vou comprar cigarro”. E sai, com a consciência tranqüila e sincera, dando tragos em um king-size do abandono. Mas nunca no desamor, nunca chutando tampinhas de indiferença em bueiros de esquecimentos.
O pior é que às vezes ele volta, dias, semanas ou meses depois, com a inocência estampada no rosto e todos os assuntos deixados pra lá, devendo, assumindo e pronto pra pagar. Com dois cigarros no maço, álibi pra mesma desculpa no dia seguinte. E não vai adiantar estocar maços pra que ele não se vá, ele tem um isqueiro vazio no bolso para planos de emergência: sem fogo não dá.
Uma psicóloga, vítima dele, traçou o perfil dizendo que é um viciado em busca de punição, um dependente das fúrias do coração partido. Que é exatamente isso que ele espera: os vasos contra a parede, controle remoto no chão, almofadas no teto, celular pela janela, dedo na cara das acusações mútuas e todo o tesão renovado disso aí. E, então, ele vai se aproximando, mais cafajeste e calhorda como nunca, puxa-a pelos cabelos, o suficiente para levantar-lhe o queixo, beijá-la no pescoço, joga-la no sofá e dar um krav maga nos hormônios. Depois, suados, mordidos, arranhados e abraçados sobre o tapete, ele confirma que não vai ligar no dia seguinte. Ela suspira, contrafeita, mas satisfeita. Cachorro.
Eu acredito que ele é, na verdade, um colecionador. Sofisticado colecionador. Guarda em vitrines, dentro de si, espetadas com finos alfinetes, memórias de sorrisos variados e belos como asas de borboletas. Acumula frascos de perfumes e cheiros de todas as partes dos corpos das vítimas. Completa álbuns com selos de promessas não feitas e cumpridas. Especializa-se na taxidermia de sensações táteis e visuais de detalhes delicados que só ele percebeu.
Claro, estou sendo advogado do diabo. Poetizando o crime. Mas, platéia do júri, vejam que meu cliente não é, nem de longe, como querem fazer crer os autos e depoimentos, um insensível. Longe disso. Seu coração também se parte. Se vocês o cortarem, ó meritíssimo, ele também há de sangrar. Mas é que seu coração aprendeu a ser como o fígado de Prometeu: devorado de dia, se regenera à noite. Questão de sobrevivência, mas chamam por aí de perfil do cafajeste. Síndrome de Estocolmo não foi invenção dele, anote aí o escrivão.
Cuidado mulheres, estou de tocaia. Digo, ele.
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Creditos:
Texto e fotografia: Thiago Carvalho (todos os direitos reservados)
Publicado originalmente no site Solteiras e Descoladas
Publicado no blog O Inimigo do Bom é o Melhor
1 comentários:
Mais um post instigante, sedutor em toda sua forma e completamente irresistível. É muito raro eu parar pra ver outro aba ou dar um gole no café quando leio algo seu: eu fico totalmente imersa e entregue a cada verso.
Tua escrita formal e informal, crua e com a sinceridade de homem é uma coisa rara e que eu gosto muito de desfrutar.
Elogio vai, elogio vem... Parabéns, querido.
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