Espectros (Memória Fotográfica)


Começo aqui a coluna chamada Memória Fotográfica. Do que se trata? Basicamente, de fotografia. Menos básico é como eu vou usá-las. Fui entendendo como a fotografia pode ter sentidos vários.
E é bem disso que ela trata, no fim das contas: sentidos. Por uma questão da própria natureza da foto, ela conta histórias curtas – mesmo quando está inserida num contexto maior. Ela, em si, conta aquele momento registrado, aquela forma, aquele conteúdo. Uma ou duas frases. Uma fotografia de uma guerra não nos conta sobre a guerra como um todo, mas somente daquele caso particular, daquele flagrante específico. É uma das grandes diferenças entre a fotografia e o cinema.

Mas pode-se ampliar isso. Uma fotografia pode referenciar a outras coisas. Se você permitir que ela seja uma fagulha de um assunto, que seja o que dá início a todo um processo imaginativo, sensível e racional, pode-se ir longe numa única imagem. No mesmo exemplo da fotografia de guerra, aquela imagem que flagrou um instante particular de violência pode servir para toda uma reflexão sobre a natureza humana. Vendo um indivíduo com uma arma apontada na cara, implorando pra não ser morto nem abusado, com o instinto gritando à flor da pele, enquanto quem segura a arma tenta manter o coração frio de quem sabe que nunca se sai ileso do sangue nas mãos, dá pra ir longe em termos do que se pode dizer sobre a psicologia do carrasco, sobre o gélido sentimento do conflito, sobre ódios herdados e nem sempre compreendidos. Enfim, os caminhos são muitos, mesmo que o começo seja a mesma imagem.

Então é disso que se trata. Algumas fotografias que eu fiz foram me mostrar, mesmo que só muito tempo depois, coisas que não se capta na hora. Quando eu fotografo, me coloco num estado mental bem particular, coisa que entendo como um instinto de caça – porque fotografar é saber mirar e atirar na hora certa. Mudei muito minha postura, não só fotografando mas em outras coisas da vida, entendendo a filosofia da “Arte Cavalheiresca do Arqueiro Zen”. Falo disso numa outra hora, é assunto pra muito papel. O que importa agora é entender a foto DEPOIS que foi feita.

Depois de feita, com a imagem na sua frente, pode-se ter vários insights. É coisa meio intuitiva, de repente, olhando aquilo, o assunto surge. E aí basta desfiar isso, se envolver, transformar em processo de escrita. E é uma coisa que se torna aprendizado, opiniões e significados que se carrega pro resto da vida. Por isso essas fotografias se tornam parte da minha memória. Não pelo ocorrido em si quando foram feitas, mas por tudo que elas vão acumulando com o tempo. Aprendi a dar um puta valor nisso e é uma das coisas que faz com que meu trabalho não seja simplesmente ganha pão, mas me faz crescer também. Me faz ver o mundo, amplia meus sentidos, me coloca em contato sem muita oportunidade de virar a cara. Me mostra o mundo além do senso comum.

Essa foto aí, feita a muitos anos atrás, num dia que me deu um troço e eu comecei a fazer uma série com vários temas, assim do nada, é um exemplo disso. É óbvio que eu tive a intenção de fotografar todo o leque do espectro visível refletido nos DVDs. Era simples assim, no começo: queria captar, na mesma imagem, desde o vermelho (e abaixo dele está o infravermelho, invisível pra gente) até o violeta (acima está o ultravioleta, que também não enxergamos). Entre um e outro, uma boa parte da nossa realidade. Mas o pensamento ultrapassa a simples imagem, porque não só enxergamos; tem mais um monte de coisas pra nos dar informação. E isso tudo compõe uma personalidade, uma reação, uma natureza que nem sempre muda com o decorrer da história. Ver, ouvir, tocar, se posicionar, degustar, tudo isso acontece junto com a criação da memória, da imaginação, da realidade e das possibilidades: apesar de darmos nomes diferentes, no acontecimento tudo isso se mescla de uma forma única e inseparável.

Filosofices à parte, a memória é fotográfica, como também é imaginativa. E, de pouca coisa, dá pra extrair muito, quando se trata de sentidos. É por esse caminho que esses textos vão.



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Créditos:
Texto e fotografia: Thiago Carvalho (todos os direitos reservados)
Publicado no blog O Inimigo do Bom é o Melhor

comment 2 comentários:

Charles Netto on 18:45 disse...

Gostei da temática usada em sua postagem pois faz um belíssimo contra ponto ao mesmo tempo que nos faz refletir a exemplo do que escrevestes em sua conclusão com grande finale: Filosofices à parte, a memória é fotográfica, como também é imaginativa. E, de pouca coisa, dá pra extrair muito, quando se trata de sentidos. É por esse caminho que esses textos vão.

Luiza Martin on 19:16 disse...

Incrível como as suas ideias nesse texto se relacionam com a pesquisa que desenvolvi na graduação e que continuo no mestrado. É reconfortante perceber que, mesmo na distância, a fotografia aproxima pontos de vista. Ler de outra fonte o que tenho teorizado, de alguma forma, traz a sensação de que se pode chegar próximo a uma verdade, mesmo sendo ela consensual. Um tanto quanto inesperado esse texto. Você faz pesquisa científica sobre memória e fotografia? Porque a ideia de fotografar e revisitar a imagem, percebendo, por meio da intuição, o que ficara oculto é um dos percursos do meu trabalho. Vou deixar meu e-mail inscrito para receber atualizações do seu blog. Obrigada!

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