Do Amor e suas Lambanças


Nada nem ninguém vai falar do amor como fala o samba, esse outro mistério. Nem Caio, nem Cecília, nem Fabrício. Dostoievski talvez, mas ele é fudido de bom. O samba, esse sim, é o que o homem fez com o que a mulher fez com o homem. Cadê o play dessa porra?



O Mundo é um Moinho - Cartola


Canto de Ossanha - Vinícius de Moraes


Você Não Ouviu - Chico Buarque


Carolina - Seu Jorge
 

A gente tem essa sensação de estarmos localizados nas nossas cabeças; ou de sentir as coisas no peito. Mas é terrível se limitar assim. Primeiro, porque a gente tem que sair da nossa cabeça, essa zona de conforto ridícula e covarde; vestir a roupa do outro. Segundo, porque amor é coisa que envolve, sai e penetra na pele, se movimenta ao nosso redor. Só é nosso o sentido, não a coisa. Ninguém, enfim, está na sinapse ou no coração; estamos é por todo o lado, no nosso contato com o mundo.

Contemple o outro. Em cada gesto, em cada sutileza. Ela não vai perceber, mas talvez vá sentir. Se também não, não faz mal, é você se doando pra isso, sem expectativa. Empatia pode ser treinada. Percepção sensorial pode se espalhar. Esse é o caminho fácil e gostoso. A volta é que é foda. Entendeu o outro, mas não concordou? E aí, como é que faz?

Bom, o amor é cão que, cedo ou tarde, ataca o dono.

Mas e daí? É que hoje em dia as pessoas temem o amor. Como se ele tivesse se tornado algo diferente, mais traiçoeiro e complicado. Não mudou grande coisa. Passou a ter mais drama, o que, no geral, só enche o saco. Não se sente mais “eu estou próximo de você”; sente-se “eu tenho medo de você”. Muito mimimi. É fato: em alguns momentos, alguém vai arrancar seu coração e dançar sobre ele. Esfregar na sua cara. Às vezes vai ser preciso sofrer por amor. Mas sobrevive-se. Basta parar de frescura.

Falando em drama, existe uma fórmula garantida pra um relacionamento – e seu fim – virarem novelinha vagabunda: não enxergar quem o outro é. Parece óbvio, né? Pois garanto que você já fez (e pode até continuar fazendo) muito isso. Nossa visão do amor que leva muito fácil e naturalmente a idealismos. Não que a gente projete, no outro, coisas alienígenas a ele. Mas, apaixonados, tendemos a só ver as qualidades e usar isso como subterfúgio para não ver os defeitos. Mudando o jogo, seja por decepção ou qualquer outra desculpa, fazemos o mesmo, mas ao inverso: só vemos os defeitos e esquecemos as delícias. Puro vacilo. Porque a pessoa sempre foi tudo isso ao mesmo tempo, herói e vilão, você que não quis ver. Em vários níveis, você nunca conheceu realmente aquela pessoa, porque não a viu por completo.

O amor, sem a barreira do receio, tem naturalidade. Vira bicho esperto, é meio camaleão: se expande pra uns lados que a gente nem tinha notado, ou se esqueceu como era.

O amor abnegado. O amor platônico. Mas, o amor, o amor, baby, é cego: ele precisa apalpar. É o tesão do corpo, aquela carícia é exemplo, aquele abraço é cuidado, o sexo tem coisas que nem sabemos, haja desejo.

Pra dizer “eu te amo”, quando realmente ama, a gente tem que abrir mão de muita coisa. Mudanças acontecem. Então tem que ser feito com tesão, aquele tesão da inconseqüência, da entrega. Às vezes a outra pessoa vai dizer “eu também te amo”; em outras, vai só um “ok”, e aí fudeu.

Que há sempre esse risco, essa paranóia: amar alguém que não nos ama é doloroso, mas ser amado por quem não amamos é um tédio. Dois pesos, duas medidas.

Como já disse Danislau: o temor do chifre, que é pior do que o chifre em si. E até o Rei Roberto também cantou, em harmonia brega, baixo e cordas de violino, “se outro cabeludo aparecer na sua rua, a culpa é sua”. Ó famigerada dor de corno! Acontece mesmo sem traição.

Mas o amor desculpa tudo e não desculpa nada, essa coisa ingrata.

O amor também é estúpido, doido e irracional. Vem de dentro, e isso é coisa que não faz sentido. E nem sempre precisa ter.

O amor não se recebe. Não é passivo. Você entrega amor, despeja, espalha, esgana. Põe em movimento. Percebe que pode agir. É o máximo de energia que a vida pode agüentar. Envolve fome e partilhar comida.

E, se você deixar o amor por ele mesmo, se parar de tentar, se criar a distância interna... então ele vai ser a ilusão. Vai ser o idealismo, Vai ser o tiro no pé. Vai acabar por incapacidade sua, não do outro.

A distância é coisa insuperável. A cama tenta salvar, mas é raro conseguir.

Chute no saco, cai você, em dores, no solo pátrio, ou não, que amor não tem fronteiras.

Amor traz medo, mas só existe além dele. Porque medo é uma coisa, covardia é outra.

Pare de doar. Logo depois a porta bate e nem por milagre. Romance vira roubada. Amor líquido é mentira de cara suja.

E, claro, existem aqueles genéricos para disfarçar as mágoas e culpas. Tudo mentira ou, no mínimo, insincero.

“Fica bem”, ela diz. Corta para cena de corredor lotado de leitos em hospital público.

“Quero mesmo que você seja feliz”. Corta para sessão de macumba, com sua foto no meio.

“A gente se vê”. Corta para Onde Está Wally.

Você então quer se vingar, com amor, mas se vingar, entre sorrisos, mas vingar, com agravantes de culpa, vingar. Acha que é preciso manter o senso de escrotidão, pelo menos com o garçom, que não dá chorinho no uísque, no bar do desassossego onde você vai pateticamente afogar suas mágoas.

Pois saiba que sem você eu passo bem demais, ensaio a comédia do auto-engano.

E quem não faz, proíbe; e a violência é a mesma,

O amor e suas leseiras incríveis, suas breguices, é um Jequitinhonha da existência. E somos sim, por demais, por humano, por demasiado humano, impacientes com o ritmo normal das esperas da vida.

Porque, no fim, quando vem o fim, o finito de tudo, o importante é o que vai e o importante é o que fica. Sem pesos e sem medidas. Não é fácil, só parece. Bom que riste, bom que choraste, há de rir novamente, é assim que as coisas andam, a vida mais pra curta que pra longa metragem.

Palavra, palavra, silêncio, silêncio... repete o refrão. É disso que o amor é feito e é disso que é desfeito. Exatamente como bate um coração. Em intervalos.


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Creditos:
Texto e fotografia: Thiago Carvalho (todos os direitos reservados)
Publicado no blog O Inimigo do Bom é o Melhor

comment 5 comentários:

Anônimo disse...

É sempre uma riqueza. É sempre um ensinamento e sempre falando muito de mim.

Frederico Furtado on 12:46 disse...

O excesso de amor é loucura, um ponto doído, com conhaque e doçura. A loucura do amor é o mel, que mela e desdobra, depois rasga papel. De seda, casulo, constância, o amor versejado exala fragrância. O sotaque do amor é miséria, riqueza de muitos, aplauso e platéia. Se faz frio, calor ou sangra, é amor de verdade, que joga e que trança. Se samba, se gira, se bole, é amor misturado e sujo do mundo, aquele genuíno, presente nos santos, nos putos e nos mantos, o amor que é do mundo, que vem e te engole. De gole em gole eu engulo o amor e embebedo a ternura de continuar a viver!

Vanda on 09:13 disse...

Post incrível... Gostei bastante, voltarei mais vezes, fique a vontade para visitar meu cantinho também. Abraços

Re Bonelli on 09:24 disse...

AMEI SEU TEXTO, A MOR AS VEZES NOS PREGA ALGUMAS PEÇAS, SENTIMOS O CHÃO CEDER, MAS A VERDADE É QUE NÃO VIVEMOS SEM AMAR,MESMO QUE DIGAMOS QUE ESSE MAL NÃO NOS PEGA MAIS QUANDO MENOS PERCEBEMOS ESTAMOS AMANDO OU QUERENDO UM NOVO AMOR

ABR

Carla Fernanda on 17:03 disse...

Acho que o que falta aos amantes é entender que o amor não existe sem liberdade, e que esse modelo de relação que existe hoje em sua maioria esta fadado ao fracasso. O amor na verdade não esta no outro esta na em quem ama e essa é a magia do amor em amar, amar sempre não importa quem.

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