Isso Nunca Me Aconteceu Hoje


A parada aqui é sobre a broxada. Papo reto. Papo firme. Inferno, sem trocadilhos eu não vivo.

Citação tarimbada: triste é a mulher que veste calcinha preta em luto ao pinto morto.

A situação é tão estranha que não há palavra em português nativo para o sexo oral numa mulher. Isso me incomoda há um tempo e já procurei nos dicionários sem resultados. Outro trocadilho, mas a cena é essa: a língua brasileira não tem um termo para o uso da língua brasileira.

E há implicações palato-filosóficas nisso tudo. Nossa cultura, em geral, dá menos valor aos sentidos do tato, paladar e olfato do que dá à visão e audição. Tem por aí um monte de termos associados aos dois últimos: “abre o olho”, “ficou claro”, “escuta essa”. Mas para os outros, só miséria. O paladar fica restrito a quatro termos completamente genéricos: azedo, doce, amargo e salgado. O olfato tem que se satisfazer com metáforas: “acordes”, “nuances”. O tato fica com “quente’, “frio, “liso”, “áspero”, “duro” e “mole” e só.

E aí, voltamos à mulher, essa coisa endiabrada. Mulher tem gosto. Tem cheiro. Tem textura. Tem um calor próprio. Eita.

Você se lambuzava todo chupando manga na infância, sabendo do prazer disso aí, mas hoje esqueceu essa arte? Então volta a fuder melões, porra! Sem trocadilhos.

Há os remendos. Mulher virar e falar: “vem cá, me paga um boquete” é coisa que não faz jus a safadeza do momento. Falar putaria seduz, mas essa palavra já tem dominância jurubébica. “Me dá um banho de língua” é muito mais gostoso de ouvir, mas aí é elaboração. Ainda falta a palavra.

É coisa de fantasia minha, mas tanto faz. Mulher que um dia chegar com uma palavra que caia como uma luva pra isso, eu nunca mais vou esquecer.

E você então pergunta: o que isso tem a ver com a broxada, caro embusteiro e falastrão? Quer só encher lingüiça sem falar da lingüiça em si? E a união da classe, companheiro, onde fica, tocando em assuntos delicados assim, sem a legítima defesa, sem a desculpa na ponta da língua, sem evocar um histórico de sucessos invictos e o bradar de que “isso nunca lhe aconteceu”?

Só posso entender isso como um pudor sem sentido herdado aí de tempos longos. O pudor do prazer de uma mulher.

Que sexo não se faz só com uma parte do corpo, é coisa do corpo todo, dos momentos, dos contextos, dos ambientes. O ato, o quebra-quebra mesmo, é só mais um pico num gráfico muito maior. Uma mulher vai pra cama com você depois que já levou ela em muitas outras camas imaginárias. E não, não acaba ali também. Coisa mais linda é ouvir aquele gemido, sentir a perna dela tremendo, o jogo de cintura. Coisa boa também é o sorriso que fica, o suspiro quando ela deita no seu peito, o café da manhã, as piadas, aquele mundinho que é só de vocês, a correria pelo atraso no trabalho por querer alongar o tempo.

Há aqueles dias de cansaço ou de excesso de mormaço no ar, não na pele, e basta um desassossego n’alma (um pacote de camisinha que resiste aos seus dentes, um lembrete da firma, a lembrança da janela aberta nessa chuva que se forma), e lá se vai o ser erétil que te habita. Chamam isso de modernidade, pau no cu de Mr. Henry Ford, mas já ta feito o estrago.

É a nossa cultura maldita dos amigos que são campeões em tudo, diz o sábio em Pessoa. E você quer, exige, obriga, que seu melhor amigo, seu confidente, seu companheiro inseparável (salvo acidentes, deus me livre), aquele que te acompanha desde o primeiro choro até o último suspiro, seja também o infalível campeão dos campeões – todo homem já brincou de refazer, na frente do espelho, a abertura clássica do James Bond, aquela parte que tem a íris de uma câmera, ápice da cena, substituindo uma pistola por outra. Quer dizer, espero que todos, senão é só mais uma esquisitice minha. Mas aí ele falha e você se desespera, quer a todo custo armar uma tenda dos milagres ou nada feito.

Diz aí Xico Sá: - O que é isso irmão? Fugir à melhor das lutas?

Funcione, funcione sim, meu caro mandrião, da forma que lhe condiz, que essa é a hora em que ela mais precisa. Há de se manter erguida a cabeça e ereta a espinha, vai aí mais um trocadilho pra arrefecer os ânimos e engrossar as sutilezas.

O medo da broxada é amigo de fé, irmão, camarada, do medo de que lhe parafusem pontiagudos na testa. Ou seja, o medo é pior do que a coisa em si, e a coisa em si acontece, cedo ou tarde acontece.

Tome verve, ânimo, o luxo da coragem.

Quando você estiver no nível tântrico-quântico-masterclass-com-catupiry do sexo, você vai olhar pra uma mulher, dizer três palavras mágicas, deixar ela em transe, levar pra cama, fazer ela gozar umas vezes em meia hora e aí ela vai olhar pra você, incrédula, mas feliz, e dizer:

- Mas, mas... ali...

- O que?

- Seu pingulim...

- Que tem?

- ... ele nem levantou!

- Sério? Nem percebi.

E cai matando de novo.



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Creditos:
Texto e fotografia: Thiago Carvalho (todos os direitos reservados)
Publicado originalmente no site Solteiras e Descoladas
Publicado no blog O Inimigo do Bom é o Melhor

comment 1 comentários:

Carla Fernanda on 10:35 disse...

Muito bom!

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