- Próximo.
- Boa tarde.
- O que deseja?
- Vim fazer o recenseamento.
- Seu nome?
- Jesus.
- É de onde?
- Nazaré.
- Nazaré. É no Pará?
- Não, não. Lá é Belém. É aqui na Galileia mesmo.
- Profissão?
- Filho de Deus.
- Como?
- Filho de Deus.
- Sei. Descrição da atividade?
- Sou o caminho, a verdade e a vida.
- Caminho, verdade e vida. Tem três anos de atividade comprovada?
- Tenho. Quer dizer, não. Como comprova isso?
- Em três vias, autenticadas.
- Não tenho.
- Então vou por aqui “Indigente”.
- Indigente?
- É. Com essa barba e o cabelo por fazer, a roupa suja, vai me desculpar, mas parece que acabou de chegar do deserto.
- Não, indigente não. Põe aí “Carpinteiro”.
- Tem três anos de atividade comprovada?
- Tenho, tenho. Meu pai é carpinteiro.
- Seu pai não era Deus?
- É, é, mas é que é complicado. Carpinteiro é o senhor que me criou, mas não é meu pai de verdade não, minha mãe ficou grávida do espírito santo.
- Sei, sei. A minha ficou grávida do boto, acredita?
- Acredito.
- Vejo que puxou seu pai.
- Obrigado.
- Renda familiar, contando pais, irmãos, agregados e etecéteras?
- Não sei. Vivo com doze apóstolos, mas nunca perguntei.
- É casado?
- Não.
- Tem filhos?
- Não.
- É homossexual?
- Como?
- Você é homossexual, senhor Jesus?
- Não, não. Porque pergunta?
- Sei lá, sem mulher, vivendo com um monte de homens, de vestido...
- Não é vestido, é uma túnica.
- Moderno, o senhor.
- Obrigado.
- Cor da pele, olhos e cabelos?
- Branca, azuis e loiro.
- Senhor Jesus, não tenho tempo pra brincadeiras.
- É verdade. Trouxe aqui uma foto.
- A fotografia ainda não foi inventada.
- É uma pintura. Mas ficou muito parecida.
- Esse não é o senhor.
- Como não?
- O senhor é pardo, baixo e tem o cabelo encrespado.
- Que injúria!
- Se acalme senão eu chamo os soldados. Já viu a cara deles? Tem um chamado Justus que adora dar sopapo em mendigo.
- Vai, vai, põe isso aí então.
- Já cumpriu pena?
- Não.
- Tem passagem na polícia.
- Não.
- Tem certeza?
- Ah, teve um caso aí, fizeram o B.O. de vandalismo, vê se pode, foram só umas barraquinhas que eu chutei ali na frente do templo, eu era mais novo, meio esquentado, sabe?
- Não sei. Só isso?
- Só.
- Tem carteira de habilitação?
- O quê?
- Carteira de habilitação. “A” pra andar de asno, “B” pra andar de biga, “C” pra andar de camelo.
- Tem “S” pra andar de sandálias?
- Não.
- Então não.
- Tem alguma doença? Como anda sua saúde, senhor Jesus?
- Tudo ótimo, nunca tive nada. Nem sarampo. Mas sei que vou morrer aos trinta e três.
- Sabe?
- Sei. São os desígnos do meu pai.
- Seu pai te ameaçou? Deu parte na polícia?
- Não. É complicado também. Ele escreve certo por linhas tortas.
- Senhor Jesus, isso é assunto sério. Se seu pai tem abusado do senhor, podemos te encaminhar pra um psicólogo, tomar as providências...
- Não precisa.
- Tem certeza?
- Tenho.
- Então é isso. Terminamos.
- Pronto? Só isso?
- Só.
- Não vai perguntar dos milagres?
- Tem milagre?
- Tem.
- De que tipo?
- Transformo água em vinho. Não é dos melhores não, mas, se a galera já estiver no clima, passa.
- Recolheu as taxas de impostos sobre produção de bebidas?
- Não.
- Então não vou por aqui, mas só por respeito pelo que você passou com seu pai...
- Fiz um paralítico andar, um cego enxergar e um leproso ficar curado.
- Tem diploma?
- Diploma?
- De médico.
- Não, foram milagres.
- Prática ilegal de medicina... tá ficando difícil, isso...
- Andei sobre as águas!
- Que milagre é esse?
- Ora, andei sobre as águas! Isso é impossível!
- Mas serve pra que?
- Bom, pra nada.
- Então não é milagre.
- É sim!
- Quer ficar me contradizendo, senhor Jesus? Sou autoridade romana!
- Ta, ta, foi mal, desculpa aí.
- Mais algum?
- Vou tentar multiplicar pão e peixes.
- Bem mais útil isso. E cabelo?
- Cabelo?
- É. To com umas entradas, ó aqui em cima, já caiu tudo... os colegas estão me apelidando de...
- Não, cabelo eu não consigo...
- Certo... então já pode ir.
- Não quer saber mais? Sobre a crucificação, por exemplo?
- Não, não tem necessidade.
- A última ceia? Vai ser fantástica! A traição pelas trinta moedas? Uma vergonha!
- Ta segurando a fila, senhor Jesus!
- Ah, a ressurreição! Isso sim vai ser milagre! Se quiser, eu conto!
- Próximo!
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Creditos:
Texto e fotografia: Thiago Carvalho (todos os direitos reservados)
Publicado no blog O Inimigo do Bom é o Melhor
2 comentários:
Que complicado... rsss
Apurado senso crítico. Excelente texto! Pena que seria motivo de piada para a Santa Comunidade Acadêmica do país.
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