Voyeur #1

- Está sentada, corpo ereto, olhar atento, leve sorriso. Não tem no rosto nenhuma marca de um sofrimento feminino; a vida é leve. O caminhar, eu só deduzo, ainda não se levantou. Mas deve ter
porte, que indica um tipo de carinho. E porque não? Tem o melhor a dar. Talvez, por isso, uma crueldade velada, potencial, de quem desconhece ainda aquela resignação do perdão. Uma certa preguiça à hora do almoço, vento leve acariciando os cabelos. Enfim, se levanta; mas não caminha: recosta-se em uma árvore, apenas para se manter à altura de um interlocutor, sentado. Sandália, short jeans, uma camiseta larga, encobrem e disfarçam parte das formas de um corpo que promete ser uma delícia nu. Pernas forte. Em um abraço, se apóia em um pé só: mais indícios de carinho – a leveza da carícia. Embora nada traia dor ou cansaço, no fundo dos olhos e em uma súbita expressão séria, eles podem ser sutilmente sentidos. Milênios de mistérios femininos ainda inexperientes em seus genes.  Corpo e alma ainda em descompassada sincronia.

- Por trás de um par de óculos escuros, um disfarce para a timidez.

- Uma tatuagem no pulso, sem dúvida com uma história por trás, exprimindo não sei o quê.

- Caminha com as mãos à frente do peito, puxando as alças de uma mochila quase sem peso. Corpo magro, cabeça baixa – se protegendo de um mundo que ainda, ou agora, considera hostil. É toda proteção e defesa.

- Um corpo lindo, jovem. Cabelos longos, leves olheiras de quem acorda cedo, mas tem a mente inquieta demais para dormir no início da noite. Em seu ritmo, dorme no início da madrugada. Tem seus hábitos, sem dúvida: talvez conversas pelo computador. Absorve . Uma alma aberta e receptiva. Passa por mim, mirando à frente, olhos semicerrados pela luz e pela consciência de estar sendo observada. Um certo prazer nisso, talvez um leve interesse na minha figura, ou curiosidade pelo olhar atento – o que dá na mesma. Não me surpreende, mas é sempre curioso notar as reações.

- Ao ficar sozinha na mesa, busca no celular uma companhia. Timidez e insegurança. Ninguém atende. Ainda sabe estar sendo observada.


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Créditos:
Texto e fotografia: Thiago Carvalho (todos os direitos reservados)
Publicado no blog O Inimigo do Bom é o Melhor

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