É Com Sorrisinho Que Eu Gosto

Latin lovers que ainda não aprenderam, vou dizer porque mulher gosta de cantada. Porque ela faz o homem se posicionar. Não é aquele lance genérico chamado “atitude”, é um negócio mais particular. É saber não se levar tão a sério. Um misto de entrega, declaração e desapego.

Cantada não é conquista, é desbravamento. Conquista é outra coisa, se é que existe.

Cantada boa também não é aquela frase pronta de pedreiro que você viu na internet. Isso é só piadinha, pode quebrar o gelo na hora, mas não é cantada de verdade. Pode ser cretina, pode ser barata, mas não é pronta nem genérica. Se você já saiu da caverna pra civilização, entendeu isso.

As melhores duram a noite inteira, são demoradas. São meio sem querer, vão abrindo portas sem nem olhar se estão trancadas. São transparentes, as mulheres não conseguem apontá-las com precisão. Dão aquela sensação de intimidade. Os melhores momentos de  um filme ou uma música são quando a gente esquece que eles são isso.

E cantadas não são só pra primeira noite, pro primeiro contato, pro primeiro beijo, primeira trepada; podem (e devem) acontecer em qualquer momento que for momento.

Lembram daquela “trouxe um Laka pra você”? É fantástica. Tesão com história faz cantadas com subtexto.

Fórmulas, nenhuma. Só sei dos meus casos pessoais. Vejamos:


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Meu primeiro beijo, que ganhei com paixão, eu ainda tinha uns 7 anos. Aconteceu sem que eu nem soubesse que uma coisa dessas pudesse acontecer. Foi na escola, pessoal da sala reunido no pátio, mas, eu nem lembro porque motivo, eu tinha levado um chapéu de caubói. Aí saquei o negócio, coloquei na cabeça e uma das meninas, uma bem bonitinha, disse: “aí, que lindo”. E me deu um beijinho na boca. Olhando pra trás, acho que foi ali que eu comecei a virar homem.


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Adoniran é um malandrão. Uma donzela no samba é coisa de deixar mestre sala de joelhos, de rodopiar pandeiro. Dançando, quando os corpos se juntam, dou um sussurro no ouvido: “Vou te fazer um anel com a corda Mi do meu cavaquinho”. Ela pode achar o máximo. Talvez descubra, talvez não, talvez até já saiba, que cavaquinho não tem corda Mi. Mas até lá...


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Uma mulher e um maço de baralho. Jogando errado, tem homem que perde tudo e mais um troco. Mas, fora da mesa, dá pra jogar com uma carta só. Aí eu brinco um pouco com as cartas, escolho uma, como quem não quer nada, nem prestando atenção. Chego perto dela e coloco as mãos sobre os olhos, sem assustar (muito). “Fica de olhos fechados”, dito bem baixinho. Devagar, puxo o decote dela, pro meu lado, mas bem pouco: o suficiente pra encaixar a carta ali, no peito esquerdo. A roçadinha da carta no mamilo foi de propósito. Um cheirinho pescoço, carinho com a barba. Depois, saio e deixo ela lá, sozinha, com uma carta no sutiã; ela tirou e sorriu (mas eu não vi). A carta? Às de copas (é, aquele do coraçãozinho).


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Uma bem direta: no bar, levanto, vou ao balcão, volto e coloco um pacote de Halls preto na mesa, enquanto encaro ela com sorriso safado até ela entender. E só.


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Ela falando comigo e eu nem conseguindo mais prestar atenção. Fico admirando aquela boca linda, tudo que eu já fiz com ela e ela comigo. No meio da frase, eu dou um beijo. “Você nem tá me escutando, né?” “Não”. E a natureza segue seu curso.


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Declarações de um amor erótico (cantadas pós-coito):
“Sua bunda é linda, mas eu também adoro te agarrar pelos cabelos”.
“Você nunca se viu fazendo isso, mas o jeito como você espreguiça depois de gozar é maravilhoso”.
“De tudo que já vivi, o melhor lugar onde eu já estive foi dentro de você”.
“Se eu te disse que te amo, durante o sexo, ignore. Aquilo é pouco pro que eu to sentindo.”
“Não dou a mínima se a gente ta atrasado pra festa. Você ficou tão gostosa que não agüentei de tesão.”


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A garota lá, preparando um arranjo de flores:
- Lindas.
- Obrigada.
- Posso?
- Claro...
Cheiro uma e devolvo, sem comentar, que é pra ela dar a deixa.
- São cheirosas, né?
- Todas são. Mas eu quis porque sei que vou lembrar de você toda vez que eu sentir esse cheiro...


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E cantada pós-cantada, existe? Até por telefone. Depois daquela noite, eu ligo e digo, como se nada daquilo tivesse acontecido: “Queria te ver, te pegar de jeito, mas to inseguro, não sei se você quer. A gente podia ir em tal lugar, fazer isso, e depois aquilo, e”... (descrevo tudo o que aconteceu realmente na noite anterior). Ela ri, claro, porque foi bom, e eu fazendo papel de bobo...


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Timidez também tem suas vantagens, é só saber mostrar um pouquinho da superação. Ela tava ali, linda, dormindo. E eu acordado, pirando naquilo. Começo a escrever tudo num papel. “Nem sei dizer o quanto me impressiona isso tudo. Tenho sorte, só isso. Só quando dorme que eu tenho coragem de admitir pra mim. Você, que é sempre inquieta, nunca pára, agora aqui, imóvel, respirando baixinho, tá aí, dona dessa cama que eu achava que era minha. Eu evito te dizer, porque você sorri, retribui, me bagunça e eu acabo falando uma outra besteira qualquer. Mas eu penso, sempre.” E fica o recadinho pra ela ler quando acordar.


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E o contrário. Ela tava tensa, mergulhada num trabalho que era importante e tava atrasado. A agência cobrando, era tudo ou nada. Normal ficar alienada e nem notar o resto do mundo. Aí eu cheguei na mesa, puxei ela pra mim sem falar nada e peguei de jeito, sem dar a mínima pro que ela tava fazendo. Comi ela ali mesmo, na mesa e no chão. Não gozei, mas ela sim. Comecei querendo ver o fim. Do mesmo jeito que apareci, saí, sem uma palavra. Ela ali, meio atordoada, meio abandonada, largada nua. Não demorou dois minutos pra decidir que aquilo não podia ficar por isso mesmo. E aí foi minha vez...


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E tudo isso, pra que? Não é só pra arranjar um rabo de saia, já ficou claro. É pelo sorriso. Dela. Que aí, é muito mais gostoso. É que sexo começa muito antes, e termina muito depois, da cama. Ali já tá rolando.

Mas tem gente que conta uma mentira, pra desconversar: cantada é arte. Não, cantada é um barco na tempestade; pode afundar e já era. O importante, então, é saber nadar. O malandro chama de ginga. E eu, também. É a malícia, o desapego, a falta de expectativa: tudo que deixa o caminho livre. Receio e ciúmes são sempre aquele medo frio e pegajoso.

A cantada, então, é esse desafio, em que perder não faz diferença. Mas, se ela sorrir, meu irmão, se ela sorrir, alisa o bigode e finge que sempre foi o máximo naquilo...



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Creditos:
Texto e fotografia: Thiago Carvalho (todos os direitos reservados)
Publicado originalmente no site Solteiras e Descoladas
Publicado no blog O Inimigo do Bom é o Melhor

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