Cães de Andaluzia


Ou a historinha do meu ateísmo.

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Deus, o diabo, uma dúzia de santos e meia dúzia de orixás despencaram sobre minha cabeça. “Uau”, eu disse. No começo é tudo muito impressionante, toda a pirotecnia e os efeitos bem produzidos. Mais reconfortante do que esclarecedor, verdade seja dita, “mas relax, meu caro”, me disseram eles, “isso vale mais do que um bom argumento”. Depois ficou chato, aquele vozerio, as regras, a exigência pela coreografia muito bem ensaiada. Virei o último gole de vinho abençoado e me dirigi para a porta. “Onde pensa que vai, campeão?”, me perguntaram, com aquele fogo e surpresa previsíveis nos olhos. “É o seguinte: pro que eu quero tudo isso é pouco”, respondi. E dei as costas.

Ah, os palavrões e ameaças que ouvi, as sagradas ofensas, tudo isso daria um livro, se eu quisesse perder tempo em escreve-lo.

Minha herança eu deixo em estilhaços. Minha parte do paraíso eu quero aqui e agora. Todo o resto eu delego ao passado, ao futuro e a todos os dias entre os dois.

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Até a alguns anos atrás, muitos estrangeiros moravam na Andaluzia por uns tempos, com suas famílias e animais de estimação. Desarraigados e imprevisíveis, iam para outro lugar, abandonando os cachorros. A região ficou cheia de cães andaluzes; livres e famintos, readquiriram seus instintos e a satisfação selvagem para conseguir alimento, se relacionar com outros seres humanos ou simplesmente não serem mortos. Acho que foi observando isso que Luis Buñuel e Salvador Dalí batizaram aquele filme esquisito que fizeram.



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Creditos:
Texto e fotografia: Thiago Carvalho (todos os direitos reservados)
Publicado no blog O Inimigo do Bom é o Melhor

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