Copa do Mundo


Eu, que domino pouco o futebol, mas domino o mal feito, teoria e prática, faço de um o entendimento de outro.

Saibamos, desde já, e mesmo com a tentação da ilusão, que a seleção brasileira não representa o Brasil. Se representasse, teríamos um time muito diferente. Nove por cento deveria ser completamente analfabeto, ou seja, dois jogadores. Mais quinze por cento viveriam em extrema miséria, subnutridos, e outros cinquenta por cento, mais ou menos, seriam bem pobres, de ter que pegar busão lotado pros treinos. Um total de quinze jogadores fudidos e pensando em como pagar o almoço enquanto jogam. Os restantes também estariam preocupados, uns mais outros menos, em como pagar pelos pequenos luxos, como a TV a cabo e a prestação da casa própria. Somente um seria milionário e, provavelmente, teria dado um jeito de ser dono do time e impedir qualquer outro jogador de ganhar o mesmo tanto.

Dos vinte e dois ali escalados, nenhum preenche o que chamamos de realidade nacional. Nenhum vive em uma casa sem saneamento básico. Nenhum está desempregado. Não há, nessa balbúrdia, uma Fanfarra ao Homem Comum. Todos ali são patrocinados. Muito bem patrocinados.

Talvez seja fácil e difícil, ao mesmo tempo, torcer pela seleção. Difícil porque é colaborar com essa patifaria toda. Fácil porque eu tenho certeza que, na hora, a coisa vai ser empolgante. O coração não tem nada a ver com nada, fora a sístole, a diástole e sua fisiologia medíocre.

A Coca-Cola lançará VTs celebrando, sei lá, nosso espírito livre ou o ímpeto de nossa juventude. Ou, sei lá também, um VT do Ronaldinho descendo do olimpo em uma carruagem puxada por seis bolas de futebol douradas.

Vamos pintar a cara com as cores nacionais, num gesto tribal para dar adeus a toda noção de país, mesmo que não saibamos na hora.

Pra frente, apesar de tudo, Brasil.

Nosso país não investiu em tecnologia de base, e patenteada por nós, para aplicar na copa. A Alemanha fez isso, inovou nas telecomunicações, logística e transmissões globais. Sua copa foi mais do que bem paga e continuam lucrando. Inclusive com nós, que estamos importando essa tecnologia deles... por aqui, nós fizemos dívidas e empenhamos o Pré-sal, a bola da vez, como garantia. Se a tecnocracia está no poder, o mínimo é que tivéssemos bom senso de lucrar com isso. Mas nunca foi nosso modus operandi.

Se a seleção ganhar a copa, a Dilma estará praticamente reeleita. Mesmo que a vitória seja com um time irreal e medíocre, medíocre estará ainda um degrau acima do que será o governo. Ganhando ou não, de qualquer forma, seremos derrotados pela soberba.

O Brasil não é só ficção. É uma obra de realismo fantástico. E não é para menores. O problema não é de não entender que o que se mostra é só ponta do iceberg, que há muito mais história abaixo da linha de visão. O problema é nem saber o que é um iceberg. A educação, por aqui, acabou não dando resultado nenhum.

E, quando a política brasileira ficar reticente, saibam que não é cautela. É pânico.

Tenho quase certeza de que, nos arredores de se iniciar a copa, vamos ter mais uma onda de protestos. Talvez sejam mais eficazes, talvez sejam tão inócuos como os que tivemos a alguns meses atrás. Mas realmente não sei prever com certeza e já faz muito chão que deixei de acreditar na revolução, graças a sei lá que entidade sábia. Todos somos leigos em futuro. Há quem diga que tudo dará certo no fim, há quem pergunta por que ainda não procuramos abrigo, porque a chuva de merda será torrencial.

O governo espera que nós, as classes fudidas, demos o bom exemplo de paciência, retidão e fé em suas decisões obscuras. Quando a paciência acaba, se sentem ultrajados, como se nós, irresponsavelmente, estivéssemos nos esquecendo as regras da etiqueta. Tomem aqui mais um bolsa-qualquer-coisa pra qualquer coisa que os tem feito infelizes.

Talvez estejamos aqui só pra levantar o ego cansado do diabo.

Eu, por puro enfado, vou torcer pela insensatez. Brasil e Argentina na final, um cenário aonde os gráficos e previsões vão pelos ares, onde tudo que não é esquema tem mais chance de dar certo: coração, raça, carisma, mau caráter, todas as coisas que vem antes, depois ou no lugar da teoria. Não que isso pague o preço que já estamos pagando, é só porque eu gosto do mal feito. Ou simplesmente não sei fazer melhor, o mais provável.

Mas não quero ser estraga prazeres e acabar com a farra de ninguém. Isso aqui é como berrar no deserto. E, no final, pode ser que toda confusão seja só mais uma razão para festejar os absurdos da existência. O que eu mais quero saber é: na festa com os gringos, eu devo ser só brasileiro ou posso insultar quem eu quiser? 






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Creditos:
Texto e fotografia: Thiago Carvalho (todos os direitos reservados)
Publicado no blog O Inimigo do Bom é o Melhor

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