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0 Uma Carta no Tempo para Meus Filhos


Filhotes,

Papai os ama. Mas isso não é o suficiente. Nesse dia dos pais, mas sem essa desculpa, quero eu lhes dar o presente: ficarei, daqui em diante, com o peito aberto e desprotegido para que, quando chegar a hora, vocês me matem. Me matem emocionalmente, matem o pai herói, o pai sempre divertido, o pai que faz mágicas. E que sobre apenas o pai humano, que erra, acerta, vacila, que se dedica quando presente mas respinga ausência.

Que vocês consigam me matar o mais cedo possível. Eu sei, na pele, o quanto dói mais a demora. Meu pai, seu avô, morreu de verdade antes que eu pudesse compreender o quanto ele era humano, frágil e falho - eu era muito novo. Emocionalmente, ele ainda era somente o pai incrível e indestrutível. Quando eu entendi que sua morte foi na verdade lenta e resultado do próprio esforço, as duas coisas se chocaram. E demorei muito pra perdoá-lo pelo que entendi como uma traição e abandono. Talvez ainda nem tenha perdoado de todo – o homem que sou ainda é filho desse menino que fui. Um dia lhes contarei a história toda, é triste pra agora.

Então, me destruam, logo que puderem. Deixem apenas o que sobrar de pé. Esse sou eu, de verdade, por baixo do manto da infância: humano, em demasia, com a cicatriz como troféu. Me perdoem, aos poucos pelas minhas falhas. Reclamem, me cobrem, me acusem. E, então, escutem meu conselho, porque também sei ensinar.

E sei pelas porradas. Tive pouca orientação e muita teimosia. Em algumas coisas acertei, em outras errei feio. Escrevo essa carta para vocês lerem no futuro, sobre coisas que gostaria de ter sabido quando tive que caminhar sozinho. São conselhos pra vocês lerem de vez em quando. Pode ser que ajudem em suas buscas.

Pra começar, saibam que seus corpos são tudo o que vocês tem: trate-os com essa importância. Seu corpo é você, não uma coisa que te abriga e te leva pra lá e cá. Suas reservas são limitadas e vocês vão morrer. Nascer foi a melhor coisa que já lhes aconteceu, queiram ficar aqui o maior tempo possível, da melhor forma possível. A ideia por trás disso é simples: quanto mais tempo com mais qualidade, mais experiências relevantes vocês terão. Haverá fases de excessos e de forçar limites. Mas pautar toda a vida em uma morte heroica ou uma morte autodestrutiva só é bom em livros e filmes.

E então amem, amem até doer. Na vida, a bem dizer, o troço todo gira em torno disso. Amem em vários níveis, várias pessoas. Fiquem abertos para recebe-las e deixa-las ir. Usem esse amor pra deixar a vida lhes trespassar. Não depositem toda a sua subjetividade e seu afeto em uma única pessoa, deixem tudo isso entrar em movimento. Explicando assim parece bobagem. Mas, sempre que acontecer, vocês vão perceber. É mágico.

Mas busquem o sagrado. E isso não é algo religioso, se escolherem não ter religião. Também não é sobre preencher vazios, é sobre acrescentar aos conteúdos. Entendam que o invisível só não pode ser visto, mas pode ser tocado, aspirado, mordido, ouvido. Negá-lo como um todo é simples ignorância. Façam dos seus o seu sagrado. Façam da música e da dança um sagrado. Seja o que for, escolham, adotem e vejam além. Sensivelmente. Isso é sacralizar.  Uma parte – bonita ou não – do mundo se desacortina assim. Pura loucura.

E vocês sempre serão o resultado do que decidirem e viverão consequências do que os outros escolheram antes. Com exceção do mal físico que outros decidirem causar em vocês, tudo o mais será por suas culpas. Não serão vítimas, só vão arcar com os frutos ou consequências – às vezes, se paga, às vezes se recebe. Não se pautem pelo mote de que de todo o mal  vem um mal e de todo o bem vem um bem; isso é infantilidade. Só vejam que a vida tem muitas arapucas, e escapem de quantas puderem. E ninguém lhes deve nada de antemão, só aquilo que conquistaram. O orgulho se anuncia de forma mais explicita, só não caiam nessa. Cada dia duvidando disso é um canto de sereia.

Por isso, cuidem de suas finanças, desde o primeiro salário. O mundo já é cruel nisso hoje e o futuro de vocês será mais difícil que o meu nesse sentido. Muito esforço é feito para lhes separar do seu suado dinheiro sem lhes dar nada de útil em troca. Não projetem seu valor de pessoas em coisas; deixem as coisas serem apenas isso, com seu valor relativo e nada mais. Gastem muito com as experiências, mas se previnam, ao mesmo tempo, para a velhice, pois ela pode fragilizá-los.

Respeitem o que é incerto, pois toda a estabilidade é ilusão: eterna enquanto dura. O mundo é grande, plural, insano, inconstante e impressionante. Não há mapas. Façam de suas vidas, vidas extraordinárias, não receitas de sucesso. A vida tem sempre uma última estrada; o mundo, não.

E escutem mais do que falam, porque vocês não são e nunca serão independentes: em tudo o que fazem e precisam, há outras pessoas que garantem ou impedem isso. Ser humano é ser uma parte do que opera mesmo sem seus consentimentos, o que faz com que ninguém seja inteiramente dono de si mesmo. Vocês são tão dependentes como quando eram bebês, só não são tão frágeis. Foquem em entender o processo pra não confundirem as duas coisas. Não “sejam vocês mesmos”, porque isso é papo das crianças que deixaram de ser. Sejam parte.

E, tudo isso, é pra dizer que vocês vão acertar e fazer besteira de vez em quando. E que o grande lance está no “quando”. Me matem, assim, que puderem, e prometo que deixo meus sapatos de defunto de recordação pra vocês, e ninguém mais. O resultado vai ser o contrário da minha ausência: vai ser minha presença de verdade. Talvez até com cabelos brancos, se vocês repararem.

No mais, se vocês se encontrarem sozinhos e com medo, ou sentirem saudades, ou se só quiserem me encher de sorrisos, saibam que sempre tem um lugar pra voltar. E eu vou sempre adorar cozinhar pra vocês.

E chegando aqui eu explico tudo de novo se precisar.

Com amor,

Papai.




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Texto e fotografia: Thiago Carvalho (todos os direitos reservados)
Publicado no blog O Inimigo do Bom é o Melhor
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0 Copa do Mundo


Eu, que domino pouco o futebol, mas domino o mal feito, teoria e prática, faço de um o entendimento de outro.

Saibamos, desde já, e mesmo com a tentação da ilusão, que a seleção brasileira não representa o Brasil. Se representasse, teríamos um time muito diferente. Nove por cento deveria ser completamente analfabeto, ou seja, dois jogadores. Mais quinze por cento viveriam em extrema miséria, subnutridos, e outros cinquenta por cento, mais ou menos, seriam bem pobres, de ter que pegar busão lotado pros treinos. Um total de quinze jogadores fudidos e pensando em como pagar o almoço enquanto jogam. Os restantes também estariam preocupados, uns mais outros menos, em como pagar pelos pequenos luxos, como a TV a cabo e a prestação da casa própria. Somente um seria milionário e, provavelmente, teria dado um jeito de ser dono do time e impedir qualquer outro jogador de ganhar o mesmo tanto.

Dos vinte e dois ali escalados, nenhum preenche o que chamamos de realidade nacional. Nenhum vive em uma casa sem saneamento básico. Nenhum está desempregado. Não há, nessa balbúrdia, uma Fanfarra ao Homem Comum. Todos ali são patrocinados. Muito bem patrocinados.

Talvez seja fácil e difícil, ao mesmo tempo, torcer pela seleção. Difícil porque é colaborar com essa patifaria toda. Fácil porque eu tenho certeza que, na hora, a coisa vai ser empolgante. O coração não tem nada a ver com nada, fora a sístole, a diástole e sua fisiologia medíocre.

A Coca-Cola lançará VTs celebrando, sei lá, nosso espírito livre ou o ímpeto de nossa juventude. Ou, sei lá também, um VT do Ronaldinho descendo do olimpo em uma carruagem puxada por seis bolas de futebol douradas.

Vamos pintar a cara com as cores nacionais, num gesto tribal para dar adeus a toda noção de país, mesmo que não saibamos na hora.

Pra frente, apesar de tudo, Brasil.

Nosso país não investiu em tecnologia de base, e patenteada por nós, para aplicar na copa. A Alemanha fez isso, inovou nas telecomunicações, logística e transmissões globais. Sua copa foi mais do que bem paga e continuam lucrando. Inclusive com nós, que estamos importando essa tecnologia deles... por aqui, nós fizemos dívidas e empenhamos o Pré-sal, a bola da vez, como garantia. Se a tecnocracia está no poder, o mínimo é que tivéssemos bom senso de lucrar com isso. Mas nunca foi nosso modus operandi.

Se a seleção ganhar a copa, a Dilma estará praticamente reeleita. Mesmo que a vitória seja com um time irreal e medíocre, medíocre estará ainda um degrau acima do que será o governo. Ganhando ou não, de qualquer forma, seremos derrotados pela soberba.

O Brasil não é só ficção. É uma obra de realismo fantástico. E não é para menores. O problema não é de não entender que o que se mostra é só ponta do iceberg, que há muito mais história abaixo da linha de visão. O problema é nem saber o que é um iceberg. A educação, por aqui, acabou não dando resultado nenhum.

E, quando a política brasileira ficar reticente, saibam que não é cautela. É pânico.

Tenho quase certeza de que, nos arredores de se iniciar a copa, vamos ter mais uma onda de protestos. Talvez sejam mais eficazes, talvez sejam tão inócuos como os que tivemos a alguns meses atrás. Mas realmente não sei prever com certeza e já faz muito chão que deixei de acreditar na revolução, graças a sei lá que entidade sábia. Todos somos leigos em futuro. Há quem diga que tudo dará certo no fim, há quem pergunta por que ainda não procuramos abrigo, porque a chuva de merda será torrencial.

O governo espera que nós, as classes fudidas, demos o bom exemplo de paciência, retidão e fé em suas decisões obscuras. Quando a paciência acaba, se sentem ultrajados, como se nós, irresponsavelmente, estivéssemos nos esquecendo as regras da etiqueta. Tomem aqui mais um bolsa-qualquer-coisa pra qualquer coisa que os tem feito infelizes.

Talvez estejamos aqui só pra levantar o ego cansado do diabo.

Eu, por puro enfado, vou torcer pela insensatez. Brasil e Argentina na final, um cenário aonde os gráficos e previsões vão pelos ares, onde tudo que não é esquema tem mais chance de dar certo: coração, raça, carisma, mau caráter, todas as coisas que vem antes, depois ou no lugar da teoria. Não que isso pague o preço que já estamos pagando, é só porque eu gosto do mal feito. Ou simplesmente não sei fazer melhor, o mais provável.

Mas não quero ser estraga prazeres e acabar com a farra de ninguém. Isso aqui é como berrar no deserto. E, no final, pode ser que toda confusão seja só mais uma razão para festejar os absurdos da existência. O que eu mais quero saber é: na festa com os gringos, eu devo ser só brasileiro ou posso insultar quem eu quiser? 






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1 Despudores (3)


Continuando a apregoar disparates em portas de igrejas e locais de decoro...
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3 Eu Sou Um Covarde


No fundo é isso, eu sou um covarde.

Olho ao redor e todo mundo é bem mais corajoso do que eu.

Claro, eu nasci corajoso. Fui corajoso muito tempo. O que me fez covarde foi a vida.
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0 Voyeur #5


O primeiro efeito de uma mulher é fazer agoniar o juízo. É nessa hora que a gente quer entender a todo custo o paradigma estético, seja com tese ou poema. E porque a imaginação é tão cara pra nós? Só pra provar que estamos vivos? Não é também pra fazer mais tranqüila a volta à bagaceira cotidiana, digo, às obrigações, esse murchar do romantismo e a aceitação menos lírica da realidade besta? Não é por isso que buscamos o gozo, a pequena morte, esse carnaval particular no peito? Talvez por isso esse reincidir em situações em que nos despenquem lembranças do trapézio da memória, seja no sutil das observações ou através de papéis e pastilhas psicodélicas, ou qualquer outro paraíso artificial.

E aí a gente acha sorrisos, covinhas, rebolados, um segundo ou mais de absoluta beleza, as retinas se fechando em close e terminamos decidindo, por fim, que aquilo, que aquela, que todas elas, são indecifráveis, como já concluiu uns milhões de outros de nós em todos os passados.

De tanto essa beleza sensorial (que nos atinge e não sem motivos também nossos) empurrar nossa razão pro vão das questões sem resposta, como a dos ovnis, do pós-morte ou da realização pura, acabamos preferindo as superfícies bem fundamentadas ao obscurantismo das teses ditas profundas. A mulher bonita é o Triângulo das Bermudas das boas explicações racionais.

E, na falta do conhecimento mecânico pra consertar a Ferrari que se pensa existir em nossas cabeças, acabamos pegando carona nesse bonde chamado desejo.

Ora, não nascemos ontem e nem de sete meses. Mas temos a maior cara.

A questão talvez seja: por que você presta atenção nela? O que seu instinto busca? O que sua consciência busca, validando ou rejeitando esse instinto?

A vida tem um quê de Titanic: a gente sai achando que a rota é marcada e é segura, e termina em outro lugar.

E Freud ainda perguntaria: e a mãe, vai bem? Não com a ironia de um caminhoneiro, mas com o interesse do pesquisador. Porque foi ela quem primeiro lhe fez essa confusão dos sentidos, e lhe deu a saudade do passado; e esse foi o motivo de seu primeiro choro.

Pra entender melhor o COMO dessas coisas, é preciso entender também quais são suas buscas.

Por isso eu prefiro terreiro: faz mais sentido acreditar nos deuses que dançam.
 
Admirar um sorriso mais invocado do que o sorriso do gato de Alice nos deixa mais na fissura ainda. Melhor mesmo apreciar, em uma cadeira de um bar de esquina, esse lindo mistério do duplo X, que os galegos mentirosos crêem ser crias das nossas costelas.
 
A realidade, cangaceiro, no fim, é só mais uma opinião.


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0 Auto Entrevista


Você sente ter ficado velho rápido? Quanto tempo mais vai esperar?

A gente fica velho antes que se dê conta disso. Não é que foi rápido. O entendimento foi lento.

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0 Maximazinhas e Poemitos del Paraguay (2)


Porque a falsidade, gente boa, não acaba aqui.
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1 Pequenas Coisas


Pense nas pequenas coisas. No primeiro cigarro de Bukowski em uma manhã ressaquenta. O primeiro milhão de Paulo Coelho. O primeiro corte de Godard na ilha de edição.
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